Uma breve história da aquarela
- brunaserta
- 18 de jul. de 2024
- 7 min de leitura
Aquarela, e a transparência da tinta em manchas desiguais, leva-nos a reflexão para tentar entender o que afetaria a fluidez, formas e cores.
Uma das técnicas que foi mais subestimada na história da arte, e que vem ganhando muitos admiradores e aquarelistas nos dias de hoje.
Suas raízes podem ser encontradas nas primeiras civilizações, sobre seda, tábuas e papel, eram feitas com aglutinante que tinham como diluente a água, e os pigmentos eram colocados em parte no sentido da contradição entre o opaco e a transparência. Até os dias de hoje, que os artistas tentam resgatar essa pintura que é cheia de contradições entre delicadeza e rebeldia.
Neste post, vamos explorar brevemente a história da aquarela, desde suas origens até sua presença na arte contemporânea.

Uma breve história da aquarela - o início
O homem aprendeu a escrever e ilustrar há cerca de 3500 anos, mas já registrava a vida através de desenhos muito antes do surgimento da linguagem escrita. Esses desenhos continuaram por muito tempo, pois a estrutura da linguagem é complexa e exigia, desde cedo, a ilustração como complemento do conteúdo e do significado do texto. Foi nesse contexto que a aquarela surgiu, como veremos ao longo desta breve história da técnica.
Não podemos falar sobre a história da aquarela sem mencionar a história do papel, que desempenhou um papel fundamental na criação da aquarela.
A técnica de desenhar utilizando cores diluídas em água já era conhecida pelos egípcios, a partir do descobrimento de uma planta fibrosa chamada Cyperus papyrus, ou papiro. Essa folha era cortada em pedaços menores e enrolada, e então sobre ela escreviam e ilustravam. Nesse papel eram registradas crenças, ciência e história. Os pigmentos usados provinham da terra, pedras, cal, minerais e madeira. Esses pigmentos eram misturados com clara de ovo e goma arábica, e então diluídos em água.

Até o século IX, na Grécia, em Roma e no Império Bizantino, era muito utilizada uma mistura de pigmento branco com chumbo e outros pigmentos, produzindo uma aquarela opaca.
Na época do imperador Carlos Magno, a importância da criação de ilustrações nos manuscritos ficou ainda mais forte. Encontravam-se artistas que alternavam o uso dessas aquarelas opacas com aquarelas transparentes.
Desde a Idade Média até o Renascimento, este foi o procedimento mais utilizado. As ilustrações, chamadas de miniaturas ou iluminuras, acompanhavam os textos dos manuscritos.

Albrecht Dürer (1471-1528) fez mais de 1000 desenhos durante sua vida, dos quais 86 eram aquarelas.
Dürer alternava pinturas em aquarela com pinturas a óleo, e certamente foi um dos precursores da pintura em aquarela, embora não tenha sido seguido por muitos outros artistas. Por 300 anos, a aquarela permaneceu nas sombras da pintura a óleo.
Muitos artistas depois de Dürer usavam a aquarela como um esboço. Um desses artistas era Rubens (1577-1640), que fazia muitos rascunhos em aquarela antes de criar suas pinturas a óleo.
Essa foi a maneira como a aquarela era utilizada nos séculos XVI e XVII. A única exceção era a Holanda, onde alguns artistas pintavam esboços em aquarela e vendiam essas obras para a burguesia de Amsterdã.
A aquarela por si só não ganhou reconhecimento até meados do século XVIII, pois não era considerada do mesmo nível que a pintura a óleo.
As aquarelas eram vistas apenas como uma prévia, um rascunho do que viria a ser pintado com tinta a óleo, e essa ideia permaneceu entre os artistas até o século XX.

Grã-Bretanha
No século XVIII, especialmente na Grã-Bretanha, a aquarela se firmou como um estilo autônomo, muitas vezes sendo utilizada ao lado da guache.
A Inglaterra estava se tornando um país industrial, e os comerciantes já almejavam expandir seus negócios além-mar. Centenas de intelectuais, artistas e aristocratas viajavam mais frequentemente para o continente, com destinos preferidos como França, Suíça e Itália. Roma, em especial, exerceu grande influência nos gostos artísticos dos ingleses. Através desses países, o estilo clássico, neoclássico, o contato próximo com a natureza e as paisagens românticas eram considerados chiques, cultos e da moda. Esses ingleses retornavam para casa com esses souvenires pictóricos.
Gravuras em preto e sépia já estavam sendo feitas com esse tema e eram vendidas em Roma no começo do século XVIII. As famosas Vedutas de Giovanni Antonio Canaletto foram distribuídas na Inglaterra através de um contrato com Joseph Smith, que distribuía mais de 140 gravuras. A produção de Vedutas só aumentou por toda a Europa. Essas gravuras eram feitas com placas de cobre e tinta preta ou sépia, reproduzindo paisagens, flores, cavalos, cachorros, entre outras coisas.
Em algum momento, alguém inspirado nas Vedutas pensou que poderia aprimorar essa técnica com tinta de aquarela. Aos poucos, a cor voltou a ter importância, até que a pintura se tornasse mais importante que a gravura.

Paul Sandby, considerado o pai da aquarela na Grã-Bretanha, foi um dos artistas envolvidos na transformação de desenhos em pinturas.
Embora Paul Sandby tenha feito inúmeras gravuras que realçava com aquarela, ele decidiu que seria melhor criar uma aquarela única para cada trabalho. Ele e seu irmão Thomas, também aquarelista, fundaram a Royal Academy of London.
Paul também pintava paisagens rurais e urbanas em aquarela e guache. Sua técnica e estilo influenciaram muitos os grandes aquarelistas dos séculos XVIII e XIX destacam-se John Robert Cozens, John Sell Cotman, John Constable, Richard Bonington e o mais conhecido, Joseph William Turner (1775-1851). Turner foi um pioneiro entre os românticos, utilizando a técnica milenar da aquarela e do guache, além de pintar frequentemente sobre papéis coloridos.
No ano de 1804, foi fundada a primeira sociedade de aquarelistas na Inglaterra, chamada Old Water-Colour Society. E, pela primeira vez no mundo, em 1805, ocorreu a primeira exposição de aquarelas.
Até então, os membros da Royal Academy of London, que já existia há 30 anos, discriminavam os aquarelistas. As aquarelas só eram permitidas em exposições se o artista também tivesse feito pinturas a óleo. Além disso, as aquarelas eram sempre deixadas de lado, enquanto as melhores e mais visíveis áreas das exposições eram reservadas para as pinturas a óleo.
Essa falta de reconhecimento fez com que os aquarelistas fundassem uma sociedade separada e organizassem suas próprias exposições. No final do século XVIII, a aquarela como técnica foi reconhecida e já era utilizada por artistas renomados.
Os artistas, que antes se limitavam a pintar paisagens com aquarela, expandiram suas pinturas para incluir figuras e cenas do dia a dia. Ao mesmo tempo, amadores também começaram a pintar com aquarela na Inglaterra.

Europa
A aquarela não teve grande popularidade na França no século XVIII. Foi apenas em 1775 que a palavra "aquarelle" (aquarela) começou a ser utilizada.
Um artista francês chamado Hubert Robert, apesar da pouca valorização da aquarela na época, teve suas obras muito bem recebidas pela crítica e pelo público em geral.
Na Suíça, os artistas Johan Ludwig Aberli e Abraham Louis Rodolphe Ducros encontraram muita inspiração nas maravilhosas paisagens do país. Aberli era um artista bucólico e amante da natureza. Ducros usava muitos contrastes e intensidades em suas aquarelas, de modo que, à primeira vista, pareciam pinturas a óleo. Ele trabalhava com uma variedade de cores reduzida, utilizando ocres, sienas e azuis.
O tema que mais interessava os artistas nessa época eram os temas botânicos.

No começo do século XIX, Ingres e Delacroix tinham ideias contrárias, formando um embate. Enquanto Ingres acreditava fortemente no classicismo, Delacroix era o líder do Romantismo e abriu portas para o Realismo, Impressionismo e Arte Moderna. Delacroix foi vitorioso com suas ideias, atraindo o apoio do público, e seu sucesso impulsionou o reconhecimento da aquarela.
Ainda no século XIX, a arte caminhava em direção a paletas mais brilhantes e claras, e a aquarela é essencialmente cor, especialmente cores claras.
A fabricação de papéis adequados para a técnica foi aperfeiçoada, tornando-se um fator decisivo para a evolução da aquarela. A Grã-Bretanha começou a produzir papéis prensados a quente, a frio e rugosos.
Durante o Impressionismo, com exceção de Sisley, Renoir, Berthe Morisot, Boudin e Cézanne, os impressionistas não usavam aquarela. No entanto, a aquarela era muito utilizada, especialmente na técnica de plein air (ao ar livre).

No século XX, a primeira pintura abstrata em aquarela foi feita em 1910 por Kandinsky, que possui uma grande riqueza de cores.

No entanto, aquarelistas, com algumas exceções, não participaram do movimento de arte abstrata, mas incorporaram em seu trabalho a luz e a espontaneidade do Impressionismo.
Por outro lado, grandes artistas da arte moderna como Picasso, Dalí, Miró, Matisse e Braque raramente usavam aquarela. Apesar disso, a qualidade e a quantidade de aquarelistas por toda a Europa cresceram de forma avassaladora e nessa época houve uma tendência de usar a aquarela imitando a tinta a óleo, com maior quantidade de cor e tinta, sacrificando a transparência característica da técnica.
Estados Unidos
Nos Estados Unidos, foi fundada em 1866, por Samuel Colman, a American Watercolor Society. No início do século XX, a aquarela era essencialmente um meio para amadores.
Não era incomum que homens adultos, jovens escriturários, estudantes e meninos agricultores pintassem aquarelas para se divertir.
O primeiro estilo profissional de uso da aquarela nos EUA coincidiu com o crescimento da popularidade da pintura de paisagem e lembrava o estilo e o gosto dos aquarelistas ingleses do século XVIII, que aplicavam tons puros sobre detalhes desenhados com precisão.
Nos EUA, o grande aquarelista foi Winslow Homer, conhecido por suas luminosas aquarelas da Flórida e das Bahamas. Homer era boêmio e trabalhou como ilustrador de revistas, mas, aos 40 anos, dedicou-se exclusivamente à pintura.
O aperfeiçoamento da aquarela é constante e nunca parou até os dias de hoje, tornando-a um dos estilos mais difundidos no mundo. Continua a inspirar e desafiar artistas com sua beleza e suas caracteristícas únicas.
Atualmente, a aquarela pode ser impressionista ou expressionista, mas mantém a base fundamental da técnica que os artistas nunca abandonaram, mantendo viva toda a história e trajetória da história da aquarela.
No próximo post falaremos sobre a aquarela no Brasil.
Referências:
Parramón, José María. The big book of watercolor painting : the history, the studio, the materials, the techniques, the subjects, the theory and the practice of watercolor painting. 1ª edição. New York. Watson-Guptill Publications, 1985
Bhering, Mário. A história da aquarela. Belo Horizonte. Editora Arte, 2005
Whitney Museum of American Art. A history of American watercolor painting. New York. The Macmillan Company, 1942
Reynolds, Graham, Watercolors : a concise history. Londres. Thames and Hudson LTD, 1971
Elizabeth E. Barker; The Met Museum; 2004; https://www.metmuseum.org/TOAH/HD/bwtr/hd_bwtr.htm; 16/07/2024
Vladimir London; Watercolor Academy; https://watercoloracademy.com/watercolor-academy-news/place-of-watercolor-in-history-of-arts; 15/07/2024
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